GAVETA DO COMPOSITOR


O ATRATIVO E O REPELENTE

O ano, eu nem lembro bem,
sei que foi antigamente...
Era um tempo de partos normais
e só se usava toalha quente.

Nasceram idênticos em sua forma
e, em conteúdo, diferente...
Ficaram agora os gêmeos conhecidos:
o “Atrativo” e o “Repelente”.

Este, sempre isolado;
aquele, sempre em meio a gente.
Imaginem um ser que nem os próprios filhos
o queriam ter em frente...

Filhos, aliás, que só se explica
virem ao mundo derivados de um acidente.
Um ser que emana o ódio,
feito um cão preso à corrente.

O outro, com criação igual,
nem parecia ser parente.
Sequer as marcas que o tempo deixou
o tornavam menos atraente.

Quando tinha o nome citado,
deixava todos tão contentes...
Curioso, hoje eu soube,
acordaram os dois doentes...

Internados lado a lado
coincidentemente.
O caso era muito grave;
e a passagem, iminente...

O malvado, antes de partir,
teve tempo suficiente
pra perceber no leito ao lado
um entra e sai muito frequente...

E, nessa hora em que se igualam
o covarde e o valente...
o clemente, o impiedoso...
herói, bandido.... o ateu e o crente...
Da noção, tinha um resquício;
mas com o corpo, impotente...
Decifrou que, após tanta maldade,
não sairia impunemente:

Passou pra eternidade
sem ninguém tendo-o cuidado.
Muito mais do que odiado
- INEXISTENTE.




O PERFUME DAS PALAVRAS
Vejam só que coisa curiosa,
embora rime mais com a prosa,
a rosa fica tão formosa é na poesia...

Notem que uma pétala,
quieta lá em seu canto
é um acalanto pra qualquer tarde vazia.

Mas, num jardim, ela é efêmera... é fugaz;
num verso, a flor dura bem mais,
capaz de ter bem mais cartaz, do que numa fotografia...

Não é minha intenção causar ciúme,
não tenho esse mau costume,
só defendo a minha cria...

E quem há de chamar de mentirosa,
caso a rima deixe a rosa
com mais cores, mais cheirosa?... Quem ousaria?...


"ORIJINAL"

Na 25 de Março
se vê de cadarço a whisky “escocês”,
vindo lá do Paraguai,
quem traz tem também
celular “japonês”.

Tem comerciante turco,
negando pechincha
em produto chinês...
Tem canivete suíço,
churrasquinho grego
que vem num pão francês.

Tem, todo fim de ano,
um tapete humano.
Manuais de instalação em inglês...
Karaokê coreano,
“leva quatro aí, mano,
e só pague por três”.


PAPO DE BUTECO

João me disse, num balcão de um bar,
Que adoraria se reencontrar com a “sua” Maria,
Mas há histórias em que tudo está tão certo,
E de uma hora para outra, mesmo o clima varia.

Céu azul e um calor feito o deserto,
de repente dão lugar à frente fria...
e a gente sai de bicicleta, achando perto,
e o mapa não informa que é uma escadaria...

João me disse, num balcão de um bar,
Que, quando ouve Roberto, ele só pensa em Maria”
Isso porque só viu a moça uma vez...
Trocaram olhares, endereços, dentro de uma padaria.

Chamaram-lhe a atenção, os joelhos descobertos
Um leve toque em sua tez, que é tão macia...
Ele, um mix “canastrão, cortês e esperto”...
Ela, sorriso, igual a uma Miss Simpatia...

João me disse, num balcão de um bar,
ter certeza que a mulher sua vida era Maria...
que, com ela, ele haveria de casar
e, com esse objetivo, até promessa ele faria...

Eis que novos joelhos surgem a desfilar,
e a promessa, depressa, ele a esqueceria.
E João, com facilidade em se apaixonar,
deixou-me a conversar com a cadeira ali vazia.



PARAFUSETA DA REBIMBOCA
(Wilson Rocha e Ricardo Moreira)

Veio de mudança lá da Tijuca
pra morar aqui bem no bairro da Mooca,
uma vizinha dessas que os home torce
que acabe o açúcar e o milho de pipoca

Breque: Aí, malandro, não filma não, mano, se toca!

A cuca das esposa ciumenta
ganhou assim ainda mais minhoca...
A Candinha tinha agora mais que nunca
motivo pra fazer fofoca.

Breque: Essa é a muié que eu queria
pra ser a rainha da minha maloca!

Nas roda dos amigos tomando um chopinho
ou contando piada ali na padoca
só se falava dela, só se cobiçava
a tal gostosa muié carioca.

De forma que eu, o Mato Grosso e o Joca
pra vê ela se despir, criemo uma engenhoca
estrategicamente instalada na mira
do quartinho de fundo adonde ela se troca

Chegou na toalete, tirou a peruca
e todas as próteses que ela coloca
desencantado nóis três descobrimo
que a fanta não passava de uma coca

Breque: Aí, otário,
tu caiu no equívoco do visu da mina, mano!
Cê não conhece aquele véio deitado
que diz que as aparência sempre engana?
Agora eu, eu, sim, desvendei
a filosofia da parafuseta dessa rebimboca!

PREGAÇÃO
(Saquem suas almas)

Surreal submeter-me a quem quer ditar regras
Até pra montagem de um lego...
Que seria legal me largar para um lugar
Junto a um lago... Isso é claro, eu não nego.

Eu poderia passar bem ao largo
ou encarnar-me em um capacho, fingir-me de cego...
Mas minha munição é a palavra;
a canção, minha arma... Aqui eu descarrego

Contra gente que quer botar prego
em minha cruz diária, esta que eu carrego
Os versos devolvem a razão,
eu me recomponho, reflito e sossego.

Contra gente que quer botar prego
em todo brinquedo em que eu escorrego...
A lição que me ensinam os tiranos
É não imitá-los. Basta isso e eu me alegro.

REINALDO AZEVEDO´S BLUES
(Sobre pescas e peixes...)

Você não vê aí da torre,
cá embaixo, a vida não é doce,
meu caro, antes fosse...

Muita gente se desdobra
para fugir da sua sombra e sua sobra...
Há quem só esteja aqui,
porque aqui foi que a cegonha o trouxe.

Desculpe, se estrago a paisagem,
vista aí da cobertura,
meu “lar” não tem cimento ou arquitetura,
fui eu mesmo o “engenheiro”
(nunca tive o seu dinheiro)

E, pense bem, junto ao seu estacionamento,
evito o deslocamento.
Basta subir o elevador de serviço
para “higienizar” o seu banheiro.

Não me olhe com esse medo, fique frio,
porque eu presto, sou limpinho e honesto...
Não tomo nada do que não é meu,
eu não assalto, não sequestro...
Não pago na mesma moeda
nem com quem insiste em me deixar apenas com o resto

SESSÕES DE DESCARREGO

É fim de tarde e eu na beira do
pescando paz com iscas de sossego,
conectado a uma mansidão sem fio
e é sempre assim quando aqui eu chego

Não há modo melhor de prolongar o pavio
da bomba que é esse stress que adquiri no emprego,
no trânsito infernal e nessa vida a 1.000 Km/h...
Aqui é que eu venho em busca de aconchego

É fim de tarde e eu na beira do rio,
pescando paz com iscas de sossego,
conectado a uma mansidão sem fio
E é sempre assim quando aqui eu chego...

Sempre achei explicações para o que me confundiu.
É mais eficaz do que sessões de descarrego!
Se a vida me derruba, eu me aprumo no rio...
Viver de ponta-cabeça é coisa de morcego.
SÓ UM PEQUENO TOQUE

Vendo a criança tocar numa flauta
A “Aquarela” de Toquinho,
até me esqueci do que disse um internauta
que “a nossa infância já se perdeu no caminho”

Ali, eu me senti numa nuvem bem alta
com o assovio doce igual ao de um passarinho...
Foi fácil perceber que esperança não falta,
É só tratar a nossa meninada com carinho

E perceber que criança é peralta,
e corre de um lado para o outro, dá risada alta,
e se esborracha quando salta,
e levanta, e esquece a dor após uns segundinhos.

... Criança é peralta,
e corre de um lado para o outro, dá risada alta,
e se esborracha quando salta,
e nos faz querer voltar no tempo alguns aninhos.
VOCIFERANTE E IRACUNDO

Não pregue as mãos de seus homens na cruz,
se quer que aplaudam seus feitos...
Se quer ter destaque, não apague a luz,
não crie empecilho ao que vai ter proveito.

Forneça a lente aos que, a olhos nus,
têm campos de visão mais estreitos.
O bom comandante não freia, induz,
encoraja os soldados a baterem no peito

Vociferante e iracundo,
exigindo as coisas sempre do seu jeito.
Sentindo-se o “dono do mundo”,
agindo assim nem se elege prefeito.

Você topa?
Você topa mudar a maneira de como conduz sua tropa?
Você topa?
Mania de oferecer condições tão rasteiras
e exigir “soluções de Europa”.


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